sexta-feira, 25 de março de 2011

SOBRE O TEMPO E A ALEGRIA

Hoje, passei novamente por algumas ruas de um lugar, que há muito tempo não via. Senti que os cinco anos que me separaram daquele lugar não constituíam tanto tempo quanto a cronologia me dizia. Enquanto passeava por ali, consegui sentir e lembrar com tanta clareza dos fatos, alegrias e emoções que até me senti mais jovem, mais próxima daquele tempo.
Sabe, parecia aquelas fendas que se abrem no tempo nos filmes de ficção, me senti num portal. E a alegria era tão viva que me fez esquecer o tempo que distanciava os dois momentos que naquele instante permeavam o meu olhar.
Na nossa humanidade fez-se a necessidade de guardar as lembranças, o que de bom, em nós havia. E é para isso que criamos a linguagem, para lançar ao mundo o que só existia em nós, o que só o pensamento sabia, assim procuramos primeiro: expressar. Mas chegou então, o tempo de eternizar as descobertas da vida, veio então a escrita e o carvão, mas apareceu, na vida nossa, algo novo, a vontade de se guardar consigo, ou de se guardar para outrem, e para isso nasce o papel, para nos permitir esconder o que se quer dizer do que está escondido em nós.
Ao ser humano não basta mais dizer, ele precisa de precisão, precisa agora significar temporalmente. E assim dizemos a época dos fatos, é a infância, adolescência, velhice, etc. Mas chega o tempo que esses conceitos já não dizem, chega o tempo de dizermos as décadas – “foi em tal década”. E novamente, as décadas não bastam, vem a temporalidade dos anos, depois precisamos dos meses e depois dos dias e eles também já não dizem e vem as horas, que já não dizem e vem as horas dos dias, mas elas não são claras e criamos os minutos, mas eles também não garantem cientificidade ao que é expresso e então usamos os segundos.
Drummond tinha razão, quando dizia:
“o mundo é grande e cabe na janela sobre o mar, o mar é grande e cabe na cama de amar, o amor é grande e cabe no breve instante de beijar” .
E agora, o que dirá a nós que esse instante é esse instante? Se neste pensamento, já se passaram segundos, minutos, horas – não sei. E os conceitos não clarificam o que vivo, pois só é clara a alegria de sentir – o que só sei que sinto com dor e ânimo – o que a demarcação temporal não poderia dizer de mim.
Mas é por causa dele, do poderoso tempo, que agora estou aqui a escrever, para que ele não desafie minha falha memória, e não leve de mim esse tempo de saber do tempo que há em se viver.

in: Alencar, Rozane. Pulsar, 2000.

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